24/01/2010

TERREMOTO NEOLIBERAL NO HAITI


“Gangues disseminam o terror no Haiti”, repete à exaustão a mídia, que rotula o povo haitiano como violento.. Será mesmo? Será que a natureza indomável é a principal responsável pelo sofrimento sem tamanho que se abate sobre o povo haitiano? Reflitamos.
O Haiti foi invadido brutalmente por fuzileiros navais dos Estados Unidos entre 1915 e 1934. Incontáveis ditaduras haitianas foram auxiliadas e apoiadas por Washington.Em 2004, em um golpe militar, o presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide, democraticamente eleito, foi seqüestrado pelos Estados Unidos e levado de avião para o exílio na África. Estados Unidos, Canadá e França conspiraram abertamente quatro anos para derrubar o governo de Aristide, cortando quase toda ajuda internacional e destruindo a economia haitiana.
“O primeiro governo democrático de Aristide foi derrubado após apenas sete meses, em 1991, por oficiais militares e esquadrões da morte, que mais tarde, se descobriu serem financiados pela Agência Central de Inteligência dos EUA. Agora Aristide quer retornar ao seu país, algo que a maioria dos haitianos reivindica desde o golpe militar que o depôs. Mas os EUA não o querem ali. E o governo Preval, que é completamente dependente de Washington, decidiu que o partido de Aristide – o maior do Haiti – não será autorizado a concorrer nas próximas eleições (previstas originalmente para fevereiro de 2010)”, informa Mark Wesbrot (FSP, 19/01/2010, p. A3).
Depois de ter expulsado o ditador Jean-Claude Duvalier, Baby Doc, do Haiti, Jean-Bertrand, sacerdote católico e teólogo da Libertação, de origem humilde, ganhou, com mais de dois terços dos votos, as primeiras eleições livres realizadas no Haiti (dezembro, 1990), tornando-se o símbolo das esperanças populares. Após ter adotado as primeiras medidas contra a corrupção e a falência econômica, foi deposto pelas forças militares, sob o comando do general Raoul Cédras, apenas oito meses depois de ter assumido o cargo. Aristide foi eleito como fruto de um processo de organização popular que levaria o Haiti a justiça social e, provavelmente, a uma sociedade socialista. Isso seria criar uma segunda Cuba nas barbas de Tio Sam. Por isso privatização neoliberal, golpe militar, ingerência militar, esmola …
Desde 1984, o Fundo Monetário Internacional obrigou o Haiti a liberar seu mercado. Os escassos e últimos serviços públicos foram privatizados negando acesso a eles ao povo marginalizado. Em 1970, Haiti produzia 90% dos alimentos que consumia, atualmente importa 55%. O arroz estadunidense subvencionado matou a produção local. Em agosto e setembro de 2008, a disparada mundial dos preços dos alimentos fez com que aumentasse o preço dos alimentos no Haiti em 50%, o que deu origem aos motins da fome.
A Cruz Vermelha diz que haitianos estão ‘agressivos’ diante da falta de mantimentos. Dia 18 de janeiro de 2010, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em visita a Porto Príncipe, ouviu do povo haitiano nas ruas gritos como “não precisamos de ajuda militar; precisamos de comida e abrigo. Estamos morrendo.” O Banco Mundial, o FMI, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e muitas empresas transnacionais há décadas têm cinicamente jogado a sociedade haitiana em um inferno social.
A situação de grande parte do povo haitiano há muito tempo é semelhante a de milhões de brasileiros que sobrevivem nas favelas e nas prisões brasileiras: pobres demais e negros demais para participarem da Casa Grande atual, os bairros nobres das cidades. Sem reforma agrária, com apoio irrestrito ao agronegócio, cinqüenta milhões de brasileiros foram empurrados pela classe dominante para as atuais senzalas, as favelas brasileiras onde as prisões são o pelourinho. Tem razão Caetano Veloso ao dizer “O Haiti é aqui…”.
Enfim, tanto no Haiti como no Brasil (e América Latina, África e Ásia), as políticas neoliberais estão causando o mais tenebroso terremoto social. Um terremoto natural, como o de 7 graus na escala Richter que golpeou o Haiti em 12 de janeiro de 2010, se pode imputar à fatalidade, mas o vergonhoso e insuportável empobrecimento das populações urbanas e rurais de Haiti, não. O Governo brasileiro acertadamente defende a restauração da democracia em Honduras. Por que não defender a democracia também para o Haiti? Para isso deveria enviar para o Haiti, no mínimo, três mil médicos, assistentes sociais e lideranças populares (com infra-estrutura para atuarem) e trazer de volta quase todos os 1200 militares que lá estão.
Não nos esqueçamos: o Haiti foi o primeiro país latino americano a conquistar sua independência, ainda em 1804, a partir de uma “revolta dos escravos”, que infligiram contundente derrota às forças invasoras francesas. Assim, o povo negro haitiano inspirou todas as lutas por independência na nossa Pátria Grande, a América afrolatíndia. A sede de vida e de liberdade do povo negro do Haiti tem sido reprimida secularmente por vassalos de um sistema de morte: o capitalismo neoliberal.
Belo Horizonte, 19/01/2010.
Frei Gilvander Moreira, Mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBs, CEBI, SAB e Via Campesina, colaborador e articulista do EcoDebate; e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.brwww.gilvander.org.brwww.twitter.gilvanderluis

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